terça-feira, 11 de outubro de 2011

Ir a China ver o mundo a mudar

De Pequim a Xangai, com tempo para Xian e a beleza trágica do exército de terracota do imperador Qin. Um périplo marcado pelos sinais de um país com pressa de ser a principal potência mundial e que vive a maior transformação da história dos últimos séculos.
Na avenida marginal do rio Huangpu, em Xangai, duas mulheres vociferam entre transeuntes indiferentes ou estupefactos. Zangam-se e empurram-se numa disputa sobre o território onde apanham garrafas de plástico para a reciclagem. A zaragata dificilmente perturbará os clientes do Hotel Pearl, do outro lado da rua, que pagaram diárias acima dos 8000 euros para carimbarem no currículo mais um símbolo das extravagâncias do capitalismo.
Nos arredores de Xian, a uns 500 metros do museu que alberga os guerreiros de terracota do primeiro imperador Qin, gruas elevam-se dos arvoredos e anunciam que um dos mais fantásticos patrimónios da história humana terá em breve como companhia um faraónico centro comercial. Pequim, a capital: uma série de placas que nos dizem o que foi e o que representou cada um dos intermináveis pátios interiores da Cidade Proibida é patrocinada pela American Express.
No centro financeiro de Xangai, na outra margem do Hotel Pearl, o Partido Comunista da China escolheu um dos mais feéricos arranha-céus do distrito financeiro para anunciar em néon o seu 90.º aniversário. Bem-vindos à China, o lugar da terra onde se pode ver ao vivo o mais rápido e profundo processo de transformação que a humanidade conheceu nos últimos séculos, o país do socialismo do mercado, o colosso que ameaça tornar-se a primeira potência mundial no prazo de duas ou três décadas.
É frequente ouvir-se dizer que um país, ou uma cidade, se destaca pelos seus contrastes. Mas, indo além do lugar-comum, a verdade é que essa imagem é incontornável quando se visita a China actual. De um lado, grandes urbes ultramodernas como Xangai, do outro os templos budistas onde os crentes se dobram com incenso perante as divindades; de um lado os traços vincados da história de uma civilização com cinco mil anos, do outro a ocidentalização forçada com apenas três décadas a querer varrê-la da memória; de um lado a beleza mágica do Palácio de Verão dos imperadores em Pequim, com o seu lago cheio de flores de lótus e corredores pintados com motivos bucólicos, do outro a vertigem da adrenalina do Maglev que liga o aeroporto de Xangai ao centro da cidade a mais de 400 quilómetros por hora.
Há nesta oposição um factor unificador: o dinheiro, a grana que no dizer de Caetano Veloso sobre São Paulo "ergue e destrói coisas belas". Os velhos bairros de Pequim, os hutong, foram arrasados pela onda de cimento e aço, mas também é verdade que a febre do dinheiro que as destruiu teve o mérito para pagar ao arquitecto Rem Koolhaas (o que fez a Casa da Música do Porto) para construir a enigmática, mas genial e impressionante, sede da televisão chinesa.
Viajar hoje pela China tem por isso como primeiro mérito o teste à alegação de que a história do mundo está a virar uma página, fazendo regressar ao Oriente a liderança perdida aí há uns 500 anos. Há uns anos, o pulsar do progresso sentia-se em Wall Street ou em Kwoloon, em Hong Kong, agora é em Pequim ou em Xangai que o seu nervo se sente. Na origem da profunda transformação económica do país nas últimas décadas está o programa "Quatro Modernizações", lançado em 1978. E um dos seus sinais mais expressivos deu-se pouco depois, quando a Coca-Cola anunciou o regresso ao país com a abertura de uma fábrica em Xangai. Desde então, a China registou um crescimento económico a rondar os 10 por cento ao ano (a riqueza do país duplicou a cada oito anos, em média), acomodou a maior vaga de emigração da história, com o equivalente à população dos Estados Unidos a rumar às cidades, e passou de uma sociedade rural a uma sociedade de consumo desenfreada.
Guerreiros de terracota no Museu de Qin. Por Jason Lee/Reuters











Em Xangai Por Reuters







Por: Ines Borges, pt

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